Tuk Mello

Corpa- rio- cidade: A dificuldade de se infiltrar com ou sem desvios

 

Não ouço barulho de água, mas vejo lama. Sinto o chão ainda úmido.
Não acho rios nem nascente nem fontes. Que espaço deixo para a
água?
Não tem para onde escorrer, não tem como infiltrar a terra.
Alagamentos.
Não há como desviar mais, não há caminho para ela.
Presto atenção aos corpos que desviam de mim na rua: quem são os
corpos desviantes, que abrem os espaços e QUEM SÃO OS
CORPOSRIGIDOS, secos.
Abrimos tuneis para máquinas.
Água, cada dia mais escassa, no meu corpo ela prevalece, maleável
com canais próprios.
Sei que por debaixo das pedras portuguesas ainda há água,
piso no bueiro e consigo imaginar as águas que transitam por debaixo
das pedras portuguesas.
Ela não quer chegar a lugar nenhum, só transitar,
sinto sua presença.
Ando para lugar nenhum tentando achar caminhos sob a terra e sumo,
suo e sinto as águas escorrendo.
Vejo um caminhão e sinto vontade de bebe-lo por inteiro,
são milhões de galões d’água, vivemos uma crise hídrica.
As águas são regidas.
Não posso deixar que meu sangue, feito boa parte de água, escorra
pelas minhas pernas nem posso da um abraço suado em alguém, tão
mais chorar pelas vielas- uma dessas rupturas ancestrais.
Escondem, aterram toda e qualquer água.
Elas são maiores que eu e são ditas por uma ordem maior.
Mesmo asfixiadas as águas de dentro e de fora se misturam,
a saliva é um símbolo do desejo,
mesmo subterrânea, ela desvia.
Não perde a forca e sempre acha um lugar possível,
infiltram sem violência e desviam sem medo
Elas são múltiplas e escorrem.
Espumadas ou limpas,
jorram de dentro dos buracos ou pela saída dos canos,
vão de encontro uma a outra e não perdem sua essência,
basta a gravidade para se moverem, escoarem.
Mais de cem galões e nenhum rio.
Água é alimento subsistente para todo e qualquer ser que hoje vive,
a sede move.
Necessitamos resgatar nossas lubrificações, nossa umidade interna.
Equilibrar nossas águas, a seca faz mal para as articulações
interpessoais e as inundações deixam muitos corpos desabrigados,
sem lugar.
Piso em lugares aterrados, sei que em pouco tempo não existirão
mais.
As águas são revoltas.
Qualquer elemento ou ser desabrigado necessitam ser revoltos para
ter de novo seu lugar.
Elas vão conquistar todo espaço perdido, soterrado.
O que hoje me protege é o banho de folhas de ontem,
nos benzemos a cada dia com ela.
Sinto cheiro de gasolina e etanol,
penso nas plantações que nos dão combustíveis para movermos as
nossas máquinas.
Penso na roça sem água e a cidade sem alimento.
Penso que não teria caninha da roça, nem tabaco pra fuma.
Nem poças nem solo fértil.
Me comprometo a fazer esse caminho sem desvios, em linha reta,
tentando performar os corpos rígidos.
O desvio se torna violento nas ruas.
Quem desvia são sempre as corpas dissidentes, os machos, corpos
rígidos não alteram a sua caminhada.
Não deixam as corpas passarem.
Sei que tombarei, mas não desviarei dos rígidos
1.º atrito
Nossa maleabilidade é sagrada,
mas acaba que temos que contornar muitas coisas.
Nunca podemos seguir nossos caminhos exatamente como
queríamos,
são necessários atalhos para a própria segurança,
1 corpa 3 machos
Não desvio.
Necessito freia.
Corpo tijolo
Me sinto uma muralha,
minha presença muda por completo.
Não há atrito com corpas aquosas,
a construção da cartografia se dá de maneira fluida.
Os desvios orgânicos são os únicos sem violência,
as ramificações e os rizomas naturais,
os troncos das arvores, os galhos, veias e artérias.
O desvio vem como mecanismo de arranjo e rearranjo,
como possibilidade de caminho possíveis, entrelaçamentos curvas
contornos.
O desvio como uma ramificação do centro, do ereto, como algo que é
curvado, que sai do caminho esperado, do eixo principal, único, do
centro, do falo.