
Dulce Lysyj
Mergulho Sensorial
Partindo da praça da Cruz Vermelha Saí à deriva com algumas palavras na cabeça Fiz um trajeto à esmo por onde meus pés levaram meu corpo Meus pensamentos em rios subterrâneos Confluências de águas sob o meu chão Fui contando os bueiros pelo meu caminho, um, dois, três Contando caixas de águas pluviais, uma, duas, três Caixas de esgoto, uma, duas, três Vi adiante um hidrante vermelho, reluzente ao sol do meio dia, em compasso de espera. Trazendo água de não sei onde ... para não sei onde, não sei quando. Desejei que este onde e quando nunca chegue, quando meu olhar percorreu os casarões centenários ao seu redor. Caixas de esgoto levando águas profanas das entranhas para as entranhas ...quatro...seis... dez Mais bueiros ... quatro, cinco Bueiros encobertos seis... dez...quinze Olhei automaticamente para céu que esbanjava um azul profundo, sem nuvens. Onde estariam escondidas? Apareceriam de supetão? Desaguariam pelas ruas, invadindo casas e deixando marcas d’aguas em corpos e almas? Caixas de águas pluviais quatro...sete...doze Elas dariam conta? Perdi a conta Meus pensamentos se perderam também ... Vi a água roubada dos corpos pelo sol, sendo devolvida nas faces em grandes gotas de suor Vi o cara todo vestido de vermelho bebendo uma lata suada de coca cola Vi o homem tomando açaí gelado na carrocinha da esquina Vi frascos com líquidos coloridos na barraca do camelô Ouvi a senhora bendizendo a água que pode comprar Ouvi o bebê chorando no carrinho, por sede? Vi garrafas de água nas bancas de jornais Toquei na sombra da árvore Senti o bafo do asfalto Continuei andando ofegante, ofuscada pela luminosidade... ora inebriada pelos aromas da boutique de perfumes ou pelo ar refrescante da portas de outras lojas ora esbarrando em corpas transpirantes no vai vem da movimentada rua ora desviando de corpos impassíveis. Os Arcos da Lapa estavam no final do caminho Arcos de um Aqueduto. Aqueduto do Rio Carioca Água potável no passado, Água sem potabilidade no presente! Me perdi Sem hora Sem rumo Chegando na chegada, virei rio!