Corpos de Mar (Em andamento)
Dança e Performance
Como há de ser uma dança que nasça dos gestos dos pescadores e encontre o mar nos modos em que os corpos tramam suas vidas e legados ancestrais?
Em um cenário onde as tecnologias de pesca ultrapassam o papel de ferramentas, representando um modo de vida profundamente enraizado na interação entre corpos humanos, corpos d'água e seres aquáticos, emerge uma rede cosmotécnica. Nela, objetos como redes, remos, cordas e barcos são atores ativos, não apenas adereços, que dançam com o vento, o suor e as marés. O fazer não se limita ao trabalho e à sobrevivência; ele se expande em um fluxo criativo que, através da implicação dos corpos com o mar, interliga tradição e cultura em ciclos naturais.
Esse saber é tanto técnico quanto social, transmitido por meio de gestos, práticas e histórias compartilhadas entre gerações, como pais, avós e comunidades pesqueiras. A gramática dos corpos-pescadores traduz um modo de coexistir que emerge do contato direto com o ambiente aquático e da troca de conhecimentos ecossistêmicos.
Essa dança ancestral está ameaçada. A tomada de espaços de pesca, a intrusão e poluição das indústrias petroquímicas, o lixo flutuante e a escassez de saneamento básico não apenas afetam o ambiente e o território de suas vidas, mas também se refletem nos corpos dos pescadores e dos outros atores que vivem ali. Esgotamento físico e emocional, desesperança e desânimo pela escassez da colheita, vazio pelo estreitamento de saídas possíveis diante da falta de diálogo institucional, sumiço de peixes, contaminação de mariscos, aparecimento de espécies invasivas.
Com a arte, esses desafios exigem mudanças no plano íntimo-comum que conectem práticas matrizes vindas da própria comunidade, onde seus conhecimentos possam apontar outras formas possíveis de tocar e transformar esses problemas. Elas se tornam um espaço onde corpos humanos, corpos d'água e objetos se unem em uma coreografia que reintroduz a resistência, a resiliência e as memórias ancestrais. A dança, assim, não apenas traduz o cotidiano e o conhecimento dos pescadores, mas corporifica o imaginário pela sobrevivência e a sua cosmovisão que os conecta ao mar, tecendo narrativas que são, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva.
Ficha Técnica
Ação: Sofia Mussolin
Fotografia: Sofia Mussolin
Curadoria: Walmeri Ribeiro
Projeto Floresta de Marés
Comissionado pelo Humboldt Forum e Instutto Goeth-Rio