Como Andar Só?

Pesquisa Performativa

 

Na performance Como Andar Sozinha Em Rio das Ostras? realizo a transposição de mapas de violência em mapas físicos da cidade. Essa imagem desdobra-se em testemunhos performativos, performances, esculturas e objetos que desenham certa cartografia das paisagens em site specific, o qual chamo: Paisagens em Sombras: Cartografias das Corpas Paradoxais.(essa integra a pesquisa científica que realizei no Programa de Estudos Contemporâneos das Artes da Universidade Federal Fluminense).

Em Rio das Ostras, temos um mapa programado pelos interesses dominantes. A cidade é cortada por uma via principal. Considerada uma Rodovia, a Amaral Peixoto liga a região dos Lagos à Macaé, ainda, a famigerada capital nacional do petróleo. Tal rodovia foi construída para dar conta do fluxo econômico e social que viria a acontecer com a chegada da Petrobrás. O Centro e o restante da cidade ainda vivem no entorno desse corredor de asfalto que é passagem para quem queira chegar a outro município ou aos bairros da região. O setor terciário, com seu aparato de lojas, e as principais construções públicas e prédios da Prefeitura encontram-se ao longo dessa faixa. O setor terciário com seu aparato de lojas e as principais construções públicas e prédios da Prefeitura se encontram ao longo dessa faixa.

À direita, quem sai de Barra de São João sentido Macaé no percurso da Rodovia, acompanha a extensão de 28 quilômetros de mares de Rio das Ostras, à esquerda, tem como referência espacial os bairros que se interiorizam na cidade. Essa geografia reflete o planejamento estratégico técnico-financeiro moldado a transformá-la num escoadouro de oportunidades e de fluxo programático de um projeto de exploração de bens naturais. Entre praias, ilhas e lagoas, a cidade tem no mar o seu foco de prazer turístico enquanto as mulheres (aqui me refiro de forma genérica às mulheres da zona urbana) não conseguem ter livre acesso à natureza por medo, por exemplo, de irem à praia sozinhas. Até que se chegue ao mar, muitos pontos circunvizinham essas fronteiras, desde a ida à padaria até uma caminhada ao ponto de ônibus. É comum, inclusive por parte dos motoristas de Uber, a combinação de transportar estudantes universitárias a duas quadras de onde moram para que não andem sozinhas pela cidade.

Portanto, não somente a praia integra esse lugar de "perigo" nas margens da cidade, mas todo o complexo funcionamento de microterritórios daquela região: os bares que fecham às 00h por ordem da prefeitura e das forças locais, as pousadas que desocupadas ocupam as ruas à espera de receber o turista, a multiplicação de igrejas neopentecostais em bairros majoritariamente periféricos, a desigualdade de casas amplas, jardinadas e floridas em contraste às moradias pequenas e sem espaço para o convívio, as casas de veraneio, o preço alto dos produtos alimentícios que se equiparam ao da capital, os subempregos resultado da relação com o petróleo e sua vizinha, a escassez de políticas e equipamentos públicos e debates ligados à mulher e questões de gênero, a inexpressiva reunião de grupos de resistência ligados a diferentes movimentos minoritários.

Lido com esse outro mapa que não é tão visível nos asfaltos da cidade, preciso lidar com meu desejo de continuar caminhando “ainda que” carregada pelo peso, pela agitação e pelo desânimo, preciso transpassar essas barreiras invisíveis. Deparo-me com algo que é a expansão da cidade nessa vivência. Torná-los menos controladores e afirmatórios das relações de medo e insegurança no encontro casual e no face-a-face das ruas. À medida que caminho pelos territórios que antes me era tomado de proibição, percebo algumas cidades se formando e se construindo quando encontro com outras corpas, entre elas, mulheres negras, brancas e mestiças, lésbicas, homens gays, mulher trans. Os encontros, ao possibilitarem o encontro com a diferença, desterritorializaram a centralidade da minha experiência de mulher branca, hétero, cis, alterando os rumos da pesquisa.